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Michael Faraday no seu laboratório, c. 1850
Harriet Moore (Inglaterra, 1801-1884)
aquarela
Chemical Heritage Foundation
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Um fio de cabelo encontrado no banco de um taxi, o filtro de um cigarro deixado para trás no cinzeiro de entrada de um edifício comercial são suficientes para levar a artista plástica Heather Dewey-Hagborg a construir de volta um rosto possível de quem deixou vestígios de DNA em lugares públicos. Assim, se um dia você vir o seu retrato em uma galeria de arte, daqui ou de Nova York, um retrato para o qual você não posou; um retrato cuja existência desconhecia é porque parte do seu DNA restaurado depois que você o deixou para trás pode ter sido usado para reconstruir a sua imagem. Hoje quem faz isso é a artista plástica Heather Dewey-Hegborg, como o artigo no site da National Public Radio menciona [ Litterbugs beware turning found DNA into portraits].
Confesso que mais de uma vez, enquanto no cabelereiro, pensei sobre aquelas mechas de cabelo que são rapidamente varridas do chão, como um rastro que deixamos para trás e que delata onde estivemos e o que fizemos. Mas a constatação de que alguém levou esse pensamento, essa hipótese um passo adiante, concretizando a informação do DNA de desconhecidos e os retratou de volta, é estarrecedora. E merece muito questionamento.
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Um retrato por Heather Dewey-Hegborg com as características estipuladas pela análise de DNA encontrado ao acaso.
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O processo de análise do DNA a que Heather Dewey-Hegborg submete suas amostras é científico e se você tem curiosidade sobre isso clique no link do artigo no parágrafo acima. Para mim, o que é mais interessante, neste momento, em que ainda discutimos se alguém tem o direito de escrever uma biografia sobre uma pessoa pública sem a autorização dela — como no caso do cantor Roberto Carlos — é pensar nas consequências dessa nova forma de Big Brotherismo. A habilidade de coletar o DNA de estranhos, tê-lo analisado sem permissão e chegar a um retrato daquela pessoa, é no mínimo invasivo. Levanta questões éticas de importância que não podemos deixar de lado.
Nós aqui, nos damos ao luxo de pensar que ainda temos alguma privacidade, que ainda podemos nos manter incógnitos. É falácia. Toda vez que clicamos em um anúncio do Facebook, por exemplo, os olhos do mundo estão vigiando e os anúncios que você passa a ter nas colunas à direita, de ofertas, são baseados unicamente naqueles cliques que eles sabem você ter feito. Clique a clique Facebook começa a saber quem você é. E a gerenciar as informações que você recebe. Assim como suas pesquisas no Google servem para priorizar os sites que aparecem primeiro na sua pesquisa na “search engine“. Sem que você perceba, suas escolhas são mais estreitas, mais específicas, feitas sob medida [mas que medida eles usam?] para você. Cada clique em um site ajuda a desenhar o seu retrato, os seus interesses, a sua vida.
Um retrato por Heather Dewey-Hegborg com as características estipuladas pela análise de DNA encontrado ao acaso.
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Nesse ínterim alguém pode pegar o seu DNA de um copo de plástico que você deixou na lixeira e fazer o seu retrato. Não seria isso mais invasivo do que escrever a biografia de uma pessoa pública como Roberto Carlos? Uma biografia baseada em artigos de jornal, em depoimentos de amigos e conhecidos não é afinal menos invasiva do que uma análise de DNA? Não pense que essa “arte baseada em DNA” não chegará ao Brasil por causa de seu alto custo. Nas artes, assim como em outros campos, temos tido grande sede de usarmos o que há de mais moderno. É só esperar.





Ladyce:
Isso é muito assustador! Mesmo que a serviço da arte, sou 100% contra o uso não-autorizado desses testes e do seu resultado. Além de invasivo, me parece de mau gosto, mesmo para os padrões de convivência, tão elásticos, dos dias atuais. Se ainda não entendemos e, consequentemente, não solucionamos os problemas trazidos pelas novas tecnologias, cujo exemplo mais forte, se apresenta na internet, como interpretar essa criação, a partir de uma minúscula parte de nosso corpo?
Também me parece invasiva essa interpretação de dados feita pelas redes sociais e/ou mecanismos de busca na internet: somos vigiados e manipulados o tempo todo – que realidade cruel!
Por outro lado, acho que uma personalidade pública não deveria impedir e/ ou dificultar a publicação de sua biografia, 1) para não ferir a liberdade de expressão e 2) para não desvalorizar o trabalho de pesquisadores/ escritores sérios, que cumprem seu papel na divulgação de nossa história, por meio de fatos sobre como vive(u) determinado cidadão: seu tempo, circunstância e meio.
Enfim, tenho medo dessas novidades e me pergunto se não foi assim em outras épocas, ou se no presente vivenciamos esse descontrole e falta de limite quanto à ética, principalmente.
Abraço, da Nanci.
Nanci,
Concordo plenamente com você. Acho no entanto que os jovens, aqueles que já nasceram tendo como parte diária de suas vidas o uso da internet, não se sentem invadidos e estão pouco se importando com essa invasão. E a internet aparentemente veio para ficar sem regulamentação.
Quanto ao Google e ao Facebook, no momento esta é a regra do jogo. Comecei a perceber isso quando adicionei outro navegador no meu computador. Percebi que se eu usasse o Google, com um navegador [Firefox] eu tinha uma lista de sites que apareciam. A mesma pesquisa usando o internet explorer, outra lista. Comecei a verificar então que a maior parte das minhas pesquisas primeiro mostra os resultados em português. Porque estou sediada no Brasil. E tenho que fazer das tripas coração para reverter as listagens, indo para o perfil em cada busca, para selecionar resultados excluindo portugues e aceitando só resultados em francês, ou inglês, etc. Como faço muita pesquisa de arte de países europeus, agora tenho expressões específicas em diversas línguas, algumas das quais nem domino — como russo, com todas aquelas letras exóticas — para conseguir algum resultado mais relevante. (Depois traduzo).
Quando converso com meus sobrinhos a respeito, todos parecem achar essas limitações muito “normais” e não se importam. O problema é que não podemos mais nos esconder da internet, e dos sites. A vida está assim, é assim. O importante é entender como funciona para você se expor o menos possível.
Quanto ao DNA acho uma invasão enorme da privacidade. É interessante que a polícia precisa de uma permissão especial para coletar o DNA e provar paternidade, por exemplo. Mas uma pessoa qualquer, como a artista no caso, pode usar o DNA alheio sem restrições… Inacreditável.
No site da NPR entre os comentários dos leitores há aqueles que dizem que isso tudo é balela. Balela ou não, o fato de existir essa possibilidade deveria acender luzes de alerta nas cabeças pensantes. Tanto assim que a National Public Radio, cadeia de notícias e rádio dos EUA, resolveu, depois de verificação, trazer o caso à baila. Mas também há tantas novidades por aí, as coisas mudando tão rapidamente que não me admira que ainda não se tenha prestado atenção nessa possibilidade de uso do DNA.
Estamos em pleno 1984 e não nos damos conta!
Obrigada pelo comentário, um abraço e um beijinho carioca, Ladyce